30/10/2010

Prisões invisíveis

Por mais que acredite na necessidade de ser transparente, acabo de descobrir que aquela minha máxima “pergunte o que quiser a meu respeito, que eu respondo”, não passa de um tremendo papo furado. E, mesmo sabendo que todo mundo tem uma ou duas perguntinhas para as quais não sabem, não querem ou não podem dar respostas, fiquei desnorteado quando me perguntaram: “Mas, você não se sente importante por haver tomado parte da História contemporânea do seu país?” Enrolei o máximo que pude, mas, por respeito ao interlocutor, optei por calar.

Sei de um bando de gente que, talvez, nesse exato momento, esteja bravateando sua participação nos movimentos estudantis dos Anos 60. Eu, entretanto, mergulhei em profundo e doloroso mutismo, sem ser capaz de encontrar uma única resposta que contemplasse a verdade, ainda que vista “do alto dos meus cabelos brancos” e mesmo depois de tantos anos de chopes, bares e conversa-fiada, continuo achando que a melhor resposta não é minha, é do Gabeira: "Éramos uns românticos”.

Então, como bom pensador, pensei. Olhei em volta, vi no que transformaram meu país 40 e tantos anos depois de todas as porradas que levei e não consegui identificar o futuro que aquela minha rapaziada queria. Pobreza, analfabetismo, desemprego, violência, corrupção, carência de perspectivas, subordinação aos capitais estrangeiros e um horizonte palmo e meio à frente do nariz.

Não foi para isso que apanhamos tanto. Não foi para isso que fomos presos, apanhamos, fomos torturados, apanhamos, desaparecemos, apanhamos e fomos mortos. Esse futuro não é o nosso! É dos vencedores, dos caras que escreveram a história oficial. Fomos reduzidos a vocábulos chulos, injustos e singulares e não ocupamos nem um parágrafo inteiro nos livros que eles escolheram para falar da gente para os nossos filhos.

Nosso futuro era culto, com liberdade de expressão, igualdade, chances para todos e, acima de tudo, cidadania e brasilidade.

Tudo bem que a gente também inventou os Stones, a maconha, o amor livre e os pegas de carro. Mas fazer o quê? Se eles não aceitaram o debate livre no plano das idéias, até que um pouquinho de anarquia não foi de todo uma má idéia. O que a gente não podia era ficar parado enquanto esperava as feridas cicatrizarem e a memória dos companheiros mortos se perder no tempo.

Fui invisível. Fui muitos de mim num garoto só. Adrenalina? Rebeldia? Necessidade de chamar a atenção? Falem o que quiser, estou pouco me lixando, mas demos nosso sangue para manter nosso país na mão dos brasileiros. Perdemos. Mas hoje, quando boto a cabeça no travesseiro, sei que tentei fazer minha parte. E da melhor maneira que sabia. Paguei caro. Tive que ser clandestino no seio da própria família, bem antes da clandestinidade oficial.

Agora, você me pergunta como me sinto por haver tomado parte da História... Bem, por falta de melhor resposta, vou roubar a frase do Gabeira: Fui apenas um romântico. Invisível aos olhos da repressão, enquanto foi possível. Clandestino em minha casa. Prisioneiro do imaginário (e da Rua da Relação e da Barão de Mesquita, também). E poeta, ontem e até quando me deixarem pensar. Mas, por favor, nunca mais me façam essa perguntinha outra vez.

Anderson Fabiano

Imagem: Google