Todo mundo que curte futebol tem na cabeça um time dos sonhos, não importando pra quem se torça. E comigo não é diferente: Fiat Lux, Phimatosan e Calcigenol; Coquinho, Nilópolis e Casacão; Mido, Fichinha, Cocão, Capa e Pateck Phillipe. Inesquecível! Um verdadeiro escrete que atravessou quase toda a década de 50, experimentando raríssimas derrotas.
Cada um deles foi preparado para ser um verdadeiro especialista da posição. Jogadores que inovaram o futebol do pós-guerra. Esse ataque, inclusive, é um dos segredos mais bem guardados que trago comigo.
Ainda me lembro quando essa intransponível defesa entrou em campo, pela primeira vez, e causou muita polêmica. Cada jogador estava preparado para render o máximo em sua posição e até aquela tarde de sábado ninguém havia visto, ainda, duas tampas de xarope, com bainhas perfeitas, formando a zaga de um clássico WM. Muito menos uma caixa de fósforos-goleiro preenchida com chumbo derretido. Imbatível!
Os meias mesclavam agilidade e robustez: pela direita, casca de coco; no meio, três fichas do Nilópolis-Cascadura coladas com esmalte e pela esquerda, um botão de osso afanado de um casaco velho da minha avó. Mas era no ataque que estavam as maiores novidades. Na ponta direita, uma galalite surrupiada do Mido do namorado de uma tia, durante um amasso (que ela nunca soube que eu vi). Veloz, ágil, difícil de marcar. Passava por onde ninguém esperava. Na meia-direita, uma ficha de ônibus que rodava na Zona Sul, que não depositei na urna durante um passeio que fiz com a mesma tia, só que acompanhada de outro namorado. Grossa, larga, de chute extremamente forte. O centro-avante trombador pedia a bola sempre enfiado no meio dos beques e como valia derrubar o goleiro adversário (desde que tocasse primeiro na bola), o malandro fazia a festa. Na meia-esquerda, um avante que não davam muito por ele, mas extremamente eficiente, o melhor ladrão de bola do time (talvez por ser originário de uma capa de gabardine, daquelas tipo Sherlock Holmes) e, na ponta esquerda, a melhor aquisição daquele timaço: um cristal de Pateck Phillipe perfeito. Velocíssimo! Imarcável! E essa eu preciso contar. Seguinte: um tio, irmão de meu pai, tinha a fama de haver roubado uns cristais e outras tantas pratarias, durante a separação dos meus velhos. Muito cara de pau convidou-me, certa vez, para passar um fim de semana na casa dele. Lá, pude ver, dentro de reluzentes cristaleiras, o que pensava ser os tais cristais dos quais tanto ouvira falar. Como o cara se gabava de possuir um monte de traquitanas, acabou por me mostrar uma caixa que, segundo ele, dificilmente alguém mexia para não expor a raridade lá guardada: uma fantástica coleção de relógios.
O tal tio safado exibiu-me todos, relatando de cada um as particularidades. Quando me apresentou ao tal Pateck Phillipe, falou-me das maravilhas do cebolão, inclusive que sua proteção era de cristal puro e coisa e tal.
À noite, prepararam-me uma cama no quartinho onde o adorável larápio guardava suas raridades. Eu, que vivia numa pindaíba do cacete, sem mordomia nenhuma (coisa que em parte teria acontecido por conta dos tais bens de família que sumiram) resolvi dar uma de vingador. Assim, o cristal puro do relógio extraordinário do meu tio nem tanto, foi parar na ponta esquerda do meu time de futebol de botões.
É possível que muita gente talvez nunca tenha ouvido falar em nenhum desses craques, mas quem andava lá pelos lados da Rua Mendes de Aguiar, nos idos dos anos cinquenta, conheceu o Vasquinho do neto da dona Ávila: Barbosa, Paulinho e Bellini; Élcio, Orlando e Coronel; Sabará, Almir, Vavá, Rubens e Pitanga.
E o Pinga era de cristal importado.
Anderson Fabiano
Imagem: Google editada pelo autor