26/03/2011

O maior time de todos os tempos

Todo mundo que curte futebol tem na cabeça um time dos sonhos, não importando pra quem se torça. E comigo não é diferente: Fiat Lux, Phimatosan e Calcigenol; Coquinho, Nilópolis e Casacão; Mido, Fichinha, Cocão, Capa e Pateck Phillipe. Inesquecível! Um verdadeiro escrete que atravessou quase toda a década de 50, experimentando raríssimas derrotas.

Cada um deles foi preparado para ser um verdadeiro especialista da posição. Jogadores que inovaram o futebol do pós-guerra. Esse ataque, inclusive, é um dos segredos mais bem guardados que trago comigo.

Ainda me lembro quando essa intransponível defesa entrou em campo, pela primeira vez, e causou muita polêmica. Cada jogador estava preparado para render o máximo em sua posição e até aquela tarde de sábado ninguém havia visto, ainda, duas tampas de xarope, com bainhas perfeitas, formando a zaga de um clássico WM. Muito menos uma caixa de fósforos-goleiro preenchida com chumbo derretido. Imbatível!

Os meias mesclavam agilidade e robustez: pela direita, casca de coco; no meio, três fichas do Nilópolis-Cascadura coladas com esmalte e pela esquerda, um botão de osso afanado de um casaco velho da minha avó. Mas era no ataque que estavam as maiores novidades. Na ponta direita, uma galalite surrupiada do Mido do namorado de uma tia, durante um amasso (que ela nunca soube que eu vi). Veloz, ágil, difícil de marcar. Passava por onde ninguém esperava. Na meia-direita, uma ficha de ônibus que rodava na Zona Sul, que não depositei na urna durante um passeio que fiz com a mesma tia, só que acompanhada de outro namorado. Grossa, larga, de chute extremamente forte. O centro-avante trombador pedia a bola sempre enfiado no meio dos beques e como valia derrubar o goleiro adversário (desde que tocasse primeiro na bola), o malandro fazia a festa. Na meia-esquerda, um avante que não davam muito por ele, mas extremamente eficiente, o melhor ladrão de bola do time (talvez por ser originário de uma capa de gabardine, daquelas tipo Sherlock Holmes) e, na ponta esquerda, a melhor aquisição daquele timaço: um cristal de Pateck Phillipe perfeito. Velocíssimo! Imarcável! E essa eu preciso contar. Seguinte: um tio, irmão de meu pai, tinha a fama de haver roubado uns cristais e outras tantas pratarias, durante a separação dos meus velhos. Muito cara de pau convidou-me, certa vez, para passar um fim de semana na casa dele. Lá, pude ver, dentro de reluzentes cristaleiras, o que pensava ser os tais cristais dos quais tanto ouvira falar. Como o cara se gabava de possuir um monte de traquitanas, acabou por me mostrar uma caixa que, segundo ele, dificilmente alguém mexia para não expor a raridade lá guardada: uma fantástica coleção de relógios.

O tal tio safado exibiu-me todos, relatando de cada um as particularidades. Quando me apresentou ao tal Pateck Phillipe, falou-me das maravilhas do cebolão, inclusive que sua proteção era de cristal puro e coisa e tal.

À noite, prepararam-me uma cama no quartinho onde o adorável larápio guardava suas raridades. Eu, que vivia numa pindaíba do cacete, sem mordomia nenhuma (coisa que em parte teria acontecido por conta dos tais bens de família que sumiram) resolvi dar uma de vingador. Assim, o cristal puro do relógio extraordinário do meu tio nem tanto, foi parar na ponta esquerda do meu time de futebol de botões.

É possível que muita gente talvez nunca tenha ouvido falar em nenhum desses craques, mas quem andava lá pelos lados da Rua Mendes de Aguiar, nos idos dos anos cinquenta, conheceu o Vasquinho do neto da dona Ávila: Barbosa, Paulinho e Bellini; Élcio, Orlando e Coronel; Sabará, Almir, Vavá, Rubens e Pitanga.

E o Pinga era de cristal importado.

Anderson Fabiano

Imagem: Google editada pelo autor

03/03/2011

O país do talvez

Preciso tomar cuidado com a minha taxa básica de anarquia, senão acabo voltando pra cadeia em pleno alvorecer da terceira idade, o que seria um péssimo exemplo para essa juventude calça cofrinho e barriga tanquinho.

Tudo começou com uma manchete de telejornal: “Nenhum político ou ministro foi condenado, nos últimos 40 anos,
pelo STJ.”

Imediatamente, pensei nesse monte de gente que frequenta noticiário com seus escândalos contumazes e fiquei apavorado com a inequívoca demonstração de corporativismo da rapaziada. Não sei por que, lembrei da frase erroneamente atribuída ao De Gaulle*, na Guerra das Lagostas, episódio bizarro dos anos 60 e premonitório, se visto com olhos dos dias de hoje: “O Brasil não é um país sério”. Quer dizer, o país até que é. O problema, talvez, é que Brasília fica longe demais do Brasil. E nós, reles eleitores e contribuintes dos impostos mais caros do mundo somos obrigados, qual cordeirinhos, a retificar a famosa frase com um acanhado “sério não, apenas engraçado”.

A gente adotou uma educação francesa, para tentar viver como americanos, num país colonizado por portugueses degredados que, por sua vez, seguiam ordens de outros tantos que vieram dar em nossos costados fugindo de Napoleão. E, como ninguém queria nada com a “Hora do Brasil”, empregaram (no sentido de “usaram” e não no de “deram emprego”) mão de obra escravizada de negros raptados de suas nações, pelos quais pagaram pedágio atlântico aos corsários ingleses, com ouro das Geraes. E essa zorra toda sob os ditames judaico-cristãos da Santa Igreja. Quer dizer, não podia dar certo mesmo. Isso tudo, apenas, para que nossos colonizadores pudessem sentar em suas varandas palacianas, comer frango assado com as mãos, se refestelarem com as formas voluptuosas das negras ladeira acima e ensinarem pra gente como plantar algodão pra vender pros States e depois comprar calça Lee. Ou, se preferirem, plantar café e vender pros europeus, pra depois importar Nescafé.

Assim, com o devido respeito, me arvoro a corrigir a histórica frase: não se trata de ser sério ou não. O problema é que o Brasil é um país de amadores. Nessas terras, prostituta goza e traficante cheira. Dessa forma, nada mais natural que aqueles a quem confiamos um mandato para criar leis e fiscalizar o Executivo, sejam os primeiros a “passar batido” por sobre todas elas, em troca de uns cascalhos ou um favorzinho aqui, outro ali.

Por essas e por outras, ando pensando (com meu lado anárquico, é claro) em assumir a presidência da república (assim mesmo, com caixa baixa e tudo). E, sem perda de tempo, já estou rascunhando minhas metas com coisas bem simples.

Para começar, gostaria de encontrar algumas respostas que andam perdidas por aí. Por exemplo: por onde anda aquela cueca de 80 mil dólares? E o dossiê do PSDB? Ou, quem pagou (e para onde foram) os quatro milhões que o Roberto Jefferson disse, em cadeia nacional, que recebeu do PT? No que deu a CPI do Mensalão? Quem inventou, afinal, esse tal de apagão? Perguntas simples, que todo cidadão de bem se faz, diuturnamente.

Mas, tem mais: vou proibir, logo no primeiro dia de mandato, por Medida Provisória, a fabricação de cigarros em todo território nacional! Cigarro por aqui, agora, só importado e ao custo mínimo de trinta e cinco dólares o maço. Quem sabe assim esses ambientalistas xiitas param de tratar fumantes como cidadãos de segunda classe. Haja saco! (Só perdem mesmo para os defensores dos direitos humanos dos bandidos).

Outra coisa, se AK-47 vem da Rússia, AR-15 dos States e Uzi de Israel, alguém sabe me dizer como esse armamento chega aos Boréis da vida? E, pra terminar, tô pensando seriamente em mandar uma rapaziada até a Bolívia, para pegar nossas refinarias de volta. (Ah! Se elas fossem dos louros meninos do norte...)

Quer saber? Acho melhor ficar por aqui. Mas confesso que ainda estou em dúvida se embarco nessa onda anárquica e falo o que todo mundo anda doido para falar ou se continuo brincando de cidadão imbecil e hipocritamente correto. Ou será melhor arrumar um boné do MST? Vai que os caras resolvem inventar um AI desses da vida e vai começar tudo de novo...

Anderson Fabiano

* A famosa frase “O Brasil não é um país sério” é de autoria do embaixador Carlos Alves de Souza Filho e teria sido dita em 1963 e atribuída, erroneamente, ao então presidente da França, Charles de Gaulle.

Publicada originalmente em 23 de junho de 2007, no CooJornal nº 534