15/06/2012

Um 12 de junho pra ninguém esquecer

12 de junho. Dia dos Namorados. Um jantarzinho romântico, à luz de velas, até que cairia bem.

Foi assim que um amigo querido resolveu comemorar a data com sua mulher. Ao invés de presentes trocados, se dariam alguns dias de merecido descanso, após três anos sem férias. E o ponto alto das comemorações seria o tal jantar.

Escolheram uma cidadezinha no litoral sul do país, reservaram um bangalô bem gostoso e entregaram-se ao merecido ócio que só é possível fora de temporada: peixinho à beira mar com espaço e sossego de sobra, fotos de todo jeito, café da manhã na varandinha, passeios que só se fazem nesse tipo de viagem e namoro, muito namoro. Tudo fora de hora e com a dose ideal de romantismo e preguiça. Afinal, estavam de férias.

Por não conheceram o local, pediram sugestões à recepcionista do hotel e souberam então, que um bistrô pra lá de charmoso estaria promovendo um jantar especial para os apaixonados de plantão. Exótico e afrodisíaco, com reservas e tudo, mesmo fora de temporada.

Combinaram sair por volta das nove e, na hora marcada, sua mulher estava lá, linda como uma atriz de Hollywood, enfiada num conjuntinho em tons de creme, cabelinho preso, uma graça.

Achar o tal endereço foi meio complicado. Era um tal de entra aqui, vira ali, que só a boa sinalização (e o gps) permitiu encontrar. E, na chegada ao estacionamento, uma primeira surpresa: o bistrô escondia-se numa ruazinha pra lá de estreita, escura, cercada de mato que roçava as janelas do carro. Umas luzinhas que lembravam o Natal identificavam timidamente o local. Entraram, desceram do carro com cara de ué e viram uma placa dizendo: "Deixe o carro aqui e siga a pé". (!?) Tudo bem.

Uns cinco ou dez metros, andando pela rua de areia e desafiando o equilíbrio dos saltos de sua mulher, outras lampadinhas natalinas identificavam a entrada. Uau! Tudo de bom! Ambiente gostoso, meio rústico, meio modernoso e muito exótico. Uns poucos casais espalhados pelo ambiente e uma gentil recepcionista (ou seria a maître?) dispara: “Boa noite. Fizeram reservas?”

A audácia de não fazer reservas deixou-lhes duas opções de mesa: uma dentro do ambiente, na passagem entre a cozinha e o salão e a outra, na parte externa, na noite fria de junho, junto à lagoa. Dos males, o menor. Optaram pela interna.

Acomodados, receberam as dicas da maître: “de entrada, temos umas tiras finas de salmão com brotos de eucalipto; como prato principal, camarão ao cacau, batatas recheadas com brie; acompanha arroz de pimenta, abacaxi e champanhe e, de sobremesa, maçãs recheadas com morango e mel”. Bem, como diz o ditado: “quem entra no fogo é pra se queimar”. Toparam. Meu amigo pediu um “Gewürztraminer” e uma água sem gás. E essas foram as últimas coisas “normais” daquela noite especial.

Meu amigo confidenciou que deveria ter ouvido suas intuições e dado o fora dali tão logo identificou o sotaque argentino da maître. Afinal, essa bronca com “los hermanos” vem de bem antes das disputas futebolísticas. É coisa que remonta ao tempo de Juan de las Heras e a Guerra Cisplatina. Ficaram.

De cara, uma cortesia da “chef”: uma espécie de sopa com gengibre, shoyu e pimenta, servida numas canequinhas de barro, remeteu sua mulher às canecas de “brodo” de sua infância e a proximidade de uma ânsia quase estraga tudo. Veio a entrada e descobriram que “finas tiras de salmão” eram, na verdade, um sashimi de salmão, coisa que a homenageada não engole nem com reza braba. Mas, “noblesse oblige”.

Resolveram fumar um cigarro no deck e relaxar da “surpresa” da entrada, enquanto esperavam o prato principal. E noites especiais pedem fotos, certo? Mas, carregar a bateria da máquina é sempre uma providência sensata, certo? Voltaram para o hotel sem fotos.

Chegou o prato principal! Outra surpresa. Camarões escafandristas, mergulhados numa calda de chocolate onde nem se podia curtir os camarões, nem o chocolate. Ou distinguir o sabor de uma coisa e outra. Um fiasco! O jeito foi fazer cara de contente, cair de boca no vinho, abreviar o “doce petisco”, pedir a conta e sumir dali.

Algumas centenas de reais mais pobres, com fome e sem saber quem devia explicações a quem, voltaram para o hotel.

Mas a noite ainda não havia acabado. Meu amigo, ultimamente, vem brigando com uma desagradabilíssima intolerância ao álcool, e tão logo o sacolejo da estradinha de chão começou, uma terrível enxaqueca roubou a cena. Aos frangalhos, decepcionado, impotente, inútil mesmo para as coisas do amor, chegou ao bangalô implorando aos céus por um potente analgésico, um colo cúmplice, silêncio, ausência total de movimentos e o mais negro dos escuros. Definitivamente, “game over”!

Na manhã seguinte, com cara de cachorros caídos de um caminhão de mudanças, combinaram: a partir daquele dia, o Dia dos Namorados seria comemorado no dias 13 de junho. E de exótico, apenas um filé com fritas num barzinho bem xulé, sem bebidas alcoólicas. E o toque afrodisíaco, deixado por conta de um bom DVD pornô. Sem sotaque argentino.

Anderson Fabiano

Imagem: Acervo do autor