Nosso país foi, finalmente, incluído na lista dos países com melhor qualidade de vida, segundo a ONU. Tudo bem que estamos apenas em 70o lugar, mas, como aprendemos desde criança, todos devemos começar de baixo. Afinal, a vida ensina que só assim daremos mais importância às conquistas.
O presidente disse que os brasileiros teem motivos para comemorar (sic). Então tá, a partir de hoje, saibam todos, estou feliz.
Mas, umas coisas me deixaram encafifado: como dar essa notícia praquele menino que vi deitado, ontem, sob uma marquise, dormindo seu sonho de criança ultrajada e protegido, não pelo Estado, mas, por um pedaço de papelão? O que devo levar pra casa daquele lavrador nordestino, cuja previsível seca matou (mais uma vez) seus pezinhos de feijão e macaxeira? Será que pego um pouco de sua água barrenta e faço um suco de maracujá pra acalmá-lo, ou seria melhor um bom vinho italiano, já que estamos comemorando essa boa notícia na época do Natal?
Como vou comemorar esta conquista nacional, com os milhares de chefes de família que vão passar a ceia, dividindo um frango assado de padaria com a mulher e os filhos, pois o patrão só vai pagar o 13o mês que vem, porque o faturamento desse ano caiu?
O que poderia eu fazer para comemorar nosso ingresso nesse importante ranking, com aquela menininha que ficou quase um mês servindo de depositório de esperma para 20 outros presos, numa delegacia paraense? E, pro menino privado de suas aulas, por medo de balas perdidas? Dou um carrinho, um livro ou um colete à prova de balas?
Sei não. Vou perguntar pro aniversariante do mês. Vou tentar encontrar o elo perdido e tentar, mais uma vez, lembrar que sou criatura e religar-me ao Criador.
Sei ainda, hipócrita e cinicamente, que assim que for convidado para a primeira festa de confraternização, vou esconder-me atrás dos copos de chope, das gargalhadas, do vozerio e vou fingir que está tudo bem. Com um pouco de sorte, até amarro um porrinho básico e volto pra casa, acreditando que sou feliz. A merda é acordar depois.
Daqui a pouco, vou estar me espremendo numa loja de 1,99 (e outras), comprando as lembrancinhas do Amigo Oculto, os presentes dos filhos, da mãe, dos irmãos, da patroa e etc. e tal e dependendo do que sobrar no bolso (após tirar meu nome do SPC), vou arrematar umas cuecas (sem dólares escondidos) numa liquidação. Depois, carregado de embrulhos coloridos, vou voltar pra casa, morrendo de medo de que aquele menininho da marquise, já devidamente cheirado de cola, apareça na janela do meu carro pedindo alguma coisa ou que falte gasolina no posto da esquina ou que haja outro apagão...
Sei não. O presidente disse que eu tenho muito pra comemorar. Então tá, estou feliz...
Anderson Fabiano
Publicado no Coojornal no 558, em 8 de dezembro de 2007 e válido até hoje.
Imagem: Google
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