Dia desses, organizando minha biblioteca, bati os olhos num livro de Nietzsche (aquele da capa verde) e, sem ter como fugir, revisitei meus tempos de jovem revolucionário, cheio de boas intenções. Recuperei, na frágil memória, desejos e planos para um país melhor, com mais esperanças e todas aquelas coisas que a gente pensa poder mudar quando se tem o futuro inteiro pela frente e ainda não temos impregnados na alma (e nas costas) as marcas de uma repressão violenta e sem sentido.
Com Nietzsche aprendemos a sabotar a lógica da filosofia dominante, fomos anarquistas do pensamento e, de quebra, cults. Da mesma patota, fomos “coleguinhas” de Marcuse, Engels, Marx, Hesse e outros criadores de caso que moldaram nosso jeito de ser e nos encorajaram a enfrentar a PM.
Era um tempo em que sonhar era direito de todos, não morávamos em apartamentos ou casas, mas em aparelhos. Qualquer de nós, acompanhado por mais dois, era visto como uma ameaçadora conspiração contra o país. Vivíamos, literalmente, nas sombras e atalhos da vida. Nosso caminho era marginal por excelência.
Depois a coisa ficou preta.
Muitos de nós morreram ou desapareceram (nome técnico dado para pessoas mortas em nome da Segurança Nacional). Alguns recomeçaram suas vidas no exílio, muitos ficaram grisalhos longe de suas famílias, outros cederam ao status quo, e todos, absolutamente todos, carregaram suas dores e frustrações pelo resto da vida.
Hoje, sentado atrás de uma indesejável barriga capitalista (que de capitalista mesmo só tem a barriga), volto a uma das máximas do velho Friedrich para entender a lembrança: “Na solidão, o solitário se devora. Na multidão, devoram-no. Pode escolher”. Triste sina dos pensadores. Consola-me uma de suas outras máximas, que só mesmo minha teimosia para manter viva: ”A arte deve antes de tudo, e em primeiro lugar, embelezar a vida”.
Ao escrever, acredito estar fazendo arte. Menos mal.
Anderson Fabiano
Imagem: Google
18/04/2011
Meu tempos de Nietzsche
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12 comentários:
Sempre disse que ao ler você, a gente se envolve de tal maneira em tuas palavras e pensamentos, que consegue “ver de perto” as cenas e situações que descreve. Mais ainda, pela afinidade de ideias e intenções, sente vontade de ter sido da “mesma patota” que enfrentava a PM, que morava em “aparelhos” e se reunia para discutir acaloradamente os temas que esses “criadores de caso” ousaram pensar e dizer, e que conseguiram, com o brilhantismo de suas ideias, moldar o jeito de ser de muita gente.
Ainda bem que aquele foi um tempo em que sonhar era direito de todos. Ainda bem que houve sonhadores - e corajosos - cheios de esperanças e dispostos a enfrentar a lógica da filosofia dominante, mesmo sabendo que se poderia morrer pelo que se acreditava e defendia.
A isso, uma frase do próprio Nietzsche: “O que não provoca minha morte, faz com que eu fique mais forte.”
E pelo que vivo, vejo e sei de você, tenho certeza disso.
Um beijo!
e faz arte mesmo!!!!!!como te entendo..tudo que passou, eu, um pouquinho na minha juventude...
um grande abraço, companheiro...
E que linda arte você faz! Nos encanta suas letras e seu jeito estiloso de escrever. Bjs.
Era a época dos sonhos em revolta, contornando, ideias velhas e gastas de uma sociedade em convulsão. E pensávamos ter os requisitos na mão...Queríamos moldar o mundo, fazendo-o nosso, arrastados por pensadores que julgávamos preencher os nossos ideais. Já não interessa Hegel nem Kant.O fascínio era agora Schopenhauer num "sofrimento" doutrinário em continuidade
mesmo numa espécie de alegria...E ficamos mais solitários, somando frustrações...
Daqui...um passo até Nietzsche..."Não me roube a solidão, sem antes me oferecer uma verdadeira companhia"...
E nesta companhia cabe sim...a ARTE!o BELO!A PALAVRA!
Abraço
Manuela
Eu, ao contrário, não me sinto artista, mas apenas observador passivo. Cult nunca cheguei a ser: o termo ainda não existia. E costumo devorar-me.
Faz arte,sim!E da melhor qualidade!Gosto de pensar que,assim como o amor, a poesia tb está acima do bem e do mal!...rsss...bjs,
Obrigado meu caro escritor poeta, pela
sua visita...
O maior sucesso...
Abraço
Muito bom o seu blogue.
Recordou-me de mim, adolescente, lendo o autor : «somos todos Hiperbóreos ...»...já não habitamos esse lugar mítico! Mas a vida ainda nos espreita diariamente.
Obrigada pela visita e volte sempre.
Beijo
Olá Anderson! Passando para agradecer a visita e o comentário deixado no nosso humilde espaço, e dizer que a tua visita será sempre um prazer renovado.
Quanto ao post, bela crônica, um relato parcial do que foi o tempo da ditadura.
Continues escrevendo, pois além de fazeres arte, estarás embelazando a vida. Rsrs.
Abraços e um ótimo domingo pra ti e para os teus.
Furtado.
Nunca fui revolucionária, nem na minha adolescência, revoltei-me pouco.
Ou aceitava as coisas como eram ou contornava-as e continuo verdinha tal como a capa...
Beijinhos
Verdinha
Fabiano, você não deixou pedra sobre pedra!
Tempos difíceis, sim senhor! Sua pena descreveu com a maestria conhecida e louvada.
Mas eu estava casado em 67, tinha que manter a cara de pau.
E sobrevivemos!
Abração,
Jorge
sabe, tenho passado por aqui nesses últimos dias... fico lendo e relendo suas crônicas e me envolvendo com as palavras... Imagino o tempo... nesses momentos que não vivi, que ainda era uma criança...
logo penso: "será que meus pais tinham algum engajamento?" ... fico triste por alguns momentos... não tenho essa resposta... Mas então volto para mim mesma e me alegro, porque dentro de mim corre essa vontade de justiça, de verdade, de um mundo melhor, de gente decente no poder, (mesmo que não seja o máximo poder), que faça alguma diferença... Aí penso: "só posso ter herdado isso deles, dos meus pais..." Quero acreditar que caráter é algo genético, hereditário mesmo... (mas essa é outra história...)
e assim continuei lendo seu Nietzsche, e me lembrei da época da Faculdade, nem sei "racionalmente" porque, mas "com o coração" caí de amores por Nietzsche, Marx, e por toda a Sociologia e História... Chorei com os filmes, comia os textos como sobremesa, cada aula tinha um sabor especial, descobria devagar um mundo "claro" no qual podia pela primeira vez "VER" com os olhos da mente, meu cérebro pedia mais e mais... Não vivi a ditadura como já disse, mas sinto na pele, na alma e no coração as lutas dos jovens revolucionários, sinto uma emoção quase inexplicável quando ouço as canções que retratam a época... os documentários...
Sabe, eu acredito que naquela época se fez ARTE, uma arte muito maior daquela que ELES tentaram esconder... reprimir...
E sabe, encontrei arte PURA por aqui. Essa arte que só cabe dentro de quem sente, vive e pode recordar...
Um beijo carinhoso pra vocês!!!
Adoro a Helena, ela é pura doçura e magia!
Su.
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