Confesso não entender quase nada
sobre esse negócio de morrer. Até porque, graças ao providencial “Véu do
esquecimento” não tenho nenhum registro confiável das minhas vidas pregressas e
muito menos de como elas terminaram. Mas, considerando-se o que pude perceber
até agora morrer não é muito diferente da realidade.
Despertei hoje, dia do fim do mundo segundo o calendário maia, com a
nítida sensação de que as coisas estavam como sempre estiveram: saudei minha
mulher com a mesma alegria, o mesmo beijo e o mesmo prazer de todas as manhãs, lavei
o rosto, tomei café e fui pra varanda, onde sempre fumava a meu primeiro cigarro,
deliciando-me com os pássaros que disputavam as frutas do comedouro.
As montanhas, casas e matas estavam todas no mesmo lugar. Até os ruídos
eram iguais. Inclusive, o daquele Fiatzinho Uno, caindo aos pedaços, que
passava por aqui com um funk pra lá de berrado: “Será que nem depois de morto
essa anta vai parar de ouvir esse troço?”
Então, se morrer é isso, devo admitir que estou gostando. E digo mais:
é bem diferente daquele horror que os apologistas do caos ensinaram nas Santas
Escrituras: “Os vivos invejarão os mortos!”
Como fui dormir dopado acabei não percebendo se o mundo acabou por
conta da colisão de um mega meteoro ou se o super vulcão das Ilhas Canárias
mandou tudo pro espaço e o tal tsunami chegou às costas brasileiras com ondas
de mais de cem metros de altura, como previu o Discovery. Seja como for, morri
tendo bons sonhos e acordei com a nítida sensação de estar vivo. Aliás, por
falar em dopado, não sei se devo ir à sessão de radioterapia de hoje à tarde...
até porque se estou morto isso não vai fazer muita diferença.
Sei não, mas, pelo que pude ver até agora, das duas uma: ou morrer com
o fim do mundo é uma coisa muito mais agradável do que nos ensinou a Igreja
Católica ou os maias, quando faziam seu famoso calendário ficaram sem giz justo
no dia 21 de dezembro de 2012.
Anderson Fabiano
Imagem: Google