21/08/2011

Sou carioca e, de quebra, filho de Oxossi

Nesses tempos de aniversário do Rio, me pego pensando nessa coisa de ser carioca e confesso, sinto lá uma pontinha de orgulho. É que muita gente pensa que carioca é quem nasce no Rio. Ledo engano! Quem nasce no Rio é fluminense. Quer dizer, nem todo mundo, porque eu, Paulinho da Viola, Martinho da Vila e milhões de outros caras espertos, somos Vasco.

Ser carioca não tem nada a ver com a nossa naturalidade e sim com o estado de espírito, com o tipo de alma que habita nossos surrados corpinhos e o nosso jeito de encarar a vida. Na verdade, todo mundo pode ser carioca já que carioca que se preza, tem que ser meio moleque, irreverente, sacana e, se possível assumir, ainda que em doses homeopáticas, seu lado cafajeste. Canalha jamais! Mas, cafajeste, forever. Assim meio Carlos Imperial.

Só que para ser um legítimo carioca, tipo 12 anos, existem certas normas. Afinal, não é porque somos reconhecidamente esculhambados, que vamos abrir mão da nossa grife. Para ser aceito nessa confraria é preciso gostar de samba, futebol, chope com conversa fiada (e, afiada, também), papo de esquina e bunda dos outros. Isso mesmo: bunda! E não pensem que esse papo de bunda é coisa de machista porque estou falando de mulheres, também. As cariocas, aquelas que “basta o jeitinho dela andar” também são fissuradas numa bunda. Só que de homens, mesmo nesses tempos de múltiplas opções sexuais. Ainda está pra nascer uma carioca, que abra mão de cravar suas unhas bem tratadas numa bunda cabeluda naquela tal de hora “H”. Sabe qual é, né? Aquela hora em que gemidos discretos se transformam em urros nem tanto e os vizinhos descobrem o que estávamos fazendo no quarto, na sala, na cozinha...

Carioca e sexo, por um triz não são sinônimos. Pouca gente sabe (e quem sabe, se nega a reconhecer), mas foram os cariocas que, mesmo sem saber falar inglês, descobriram porque sexta-feira se grafa com S, E, X. E, também fomos nós que demos sentido aos happy hours, dos louros meninos do norte, quando numa livre tradução, adotamos a tradução de “horário pré-motel”.

Carioca é o único cara do mundo que está sempre pronto para receber uma desmilinguida asa de frango, quando pede a alguém para dar "umazinha".

O Rio deveria ser tombado como patrimônio cultural do mundo e não pelas águas de março (Ave, Tom!). Quando “neguinho” tava pensando em dar umas bandas lá pelos lados do moinho, a gente já vinha voltando com quilo e meio da melhor farinha. E mesmo naqueles tempos, em que paulista pensava que trabalhava mais que a gente (vide pesquisa no Fantástico), a cariocada desvairada já recebia, de braços abertos (Benção, Redentor), piauienses, mineiros, gaúchos e até paulistas na Imperial Irmandade Carioca. Mesmo que os caras se traíssem nos botecos da vida, pedindo um chopes e dois pastel.

Eu, que não tenho nada a ver com isso, modestamente, filho de Oxossi com Oxum, afilhado querido de Xangô, só lamento que o Rio já não seja tão suburbano como deveria. Pois, para quem não sabe, assim como o Brasil é mulato (Saravá, João Ubaldo), o Rio é suburbano. O Rio de Janeiro, fevereiro e março (Alô, ministro!) nunca foi Ipanema ou Barra. O Rio é Tijuca, Pilares e Madureira. O Rio nasceu no centro e, com a chegada da Família Real Portuguesa, foi mandado pro subúrbio. Nas Ipanemas da vida moram os suburbanos que deram certo. Ou ainda, os que pensam que deram certo. (E haja SPC pra segurar tanto cheque sem fundos dos falsos bacanas)

O melhor Rio ainda é o moleque, o debochado, o que prefere joelho de normalista no bonde, ao invés das bermudas “cofrinho” das fanqueiras. Nossa melhor bala é a “Ruth” (que dá figurinha e tudo) e não essas perdidas que andam por ai.

Não se iludam, aquele carioquinha de filme da Disney, com chapéu de palha e camisa listrada, só é encontrável em bares e rodas de samba pra lá da Central. Mas, como sou de Cascadura, tô bem na fita.

Sábado, primeiro de março, vou me meter numa camiseta regata, uma bermuda velha, calçar um chinelo de dedo, pegar meu tamborim, juntar a rapaziada pra tomar uma “baixa renda” com jiló e moela no bar do “seu” João e curtir minha carioquice.

“Brasil, tira as flechas do peito do meu padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar”. (Salve Moacyr Luz, Aldir Blanc e Paulo Cesar Pinheiro)

É isso aí...

Anderson Fabiano

Publicado originalmente no Recanto das Letras em 12/03/2008

Imagem: Google - São Sebastião, de Guido Reni (1575 - 1642)

4 comentários:

Helena Chiarello disse...

Não sou carioca por puro acidente geográfico (e étnico), mas viajei gostosamente em cada imagem e situação descrita aqui como se me fosse íntima. E posso dizer que estou aprendendo, da maneira mais gostosa que se possa imaginar, esse “estado de espírito”, esse “tipo de alma que habita” o corpo dos cariocas e seu jeito “moleque, irreverente e sacana” de encarar a vida. E nem por isso, sem a necessária seriedade.

E por gostar de “samba, futebol, chope com conversa fiada (e, afiada, também), papo de esquina e bunda dos outros” (porque também não abro mão do que disse ali em cima sobre a tal de hora “H”) é que tomo a liberdade de dizer: Sou um pouquinho carioca também.

Então, do alto da minha “carioquice emprestada”, brindo com uma boa caneca de chope (no singular!) essa crônica deliciosa!

Tim, tim! Ave, bênção, saravá!

E salve o “nosso” Rio de Janeiro, que continua lindo! ...E a gente sabe que tudo o que dizem dele por aí, é pura inveja de quem daria tudo pra viver e ser como carioca, mas não pode.

É isso aí também!

Beijo, amo, beijo!

J Araújo disse...

Anderson, com certeza você é um eximio escritor, Parabéns pela bela crônica.

Abraço de um mineiro que vive no Estado de São Paulo

Sonia Pallone disse...

Sou paulista, mas tenho uma admiração incrível pelos cariocas, principalmente por esse jeito alegre e despojado de viver. Você pintou direitinho a tela. Bjs meu querido.

Tyrone disse...

Agradecido pela parte que toca(nascido em Inhaúma, criado em Pilares e Cascadura). És brilhante meu caro, apesar se ser vascaíno. Su admirador rubro-negro, Ty